Gender Gap e Religião nos direitos das Mulheres





Gender Gap e Religião nos direitos das Mulheres: Breve apontamento.


Claudia Freire[1]



“Nada é mais poderoso que uma ideia cujo tempo chegou”
                                                                                                                                                      Pascal 




PALAVRAS CHAVE: mulheres, ciência, portugal, género, carreira, evolução,religião.


Segundo Carter[1] a religião constitui um dos factores de base para a violação dos direitos das mulheres. 

De facto importa neste quadro, reflectir e evidenciar o percurso inicial dos primeiros movimentos sociológicos conducentes às posições tomadas por mulheres, como forma de resposta às situações contrárias que surgiram como um enclave à sua condição natural de elemento original no sistema social, como meio de visionamento diacrónico de um contexto hierárquico de fenómenos que se constituíram como instrumentos sucessórios reguladores e permanentes, numa tentativa de organização de conflitos latentes entre as posições assumidas pelas mulheres socialmente durante os distintos períodos históricos e uma barreira  social derivada  de uma força  subordinada, imposta por modelos patriarcais vigente durante o longo percurso histórico conhecido da humanidade, que remeteu as mulheres para uma posição em desvantagem a todos os níveis, onde a sua suposta “debilidade” pudesse ser vigiada de forma permanente pelos seus “protectores”.

Neste eixo directório pode afirmar-se que falar de mulheres, resulta numa projecção que integra paralelamente leituras várias, tão distintas quanto complementarias, concorrendo para este paradoxo as aproximações aos factos históricos sobre os quais se podem retirar exemplos de omissão no que respeita ao tratamento que foi oferecido ao tema do género feminino durante os antecedentes períodos históricos, onde o género feminino foi abordado como uma “sombra” em todas as suas facetas, já que a história se escrevia no masculino, sendo esta teoria percepcionada num passado não muito distante, que remonta apenas a algumas décadas anteriores à presente, estando radicada nesta crença o conceito social de que apenas o homem era aquele que cometia actos históricos, inscrevendo a sua soberania masculina como atributo conducente ao único  sujeito humano universal na História. 


As mulheres, na figura de agentes sociais, não eram dignas do interesse dos historiadores,a interpretação que lhes dedicavam, era remetida para um plano secundário, onde figuravam como elementos improdutivos, confinadas a um redutor espaço doméstico, cuja configuração e modelo de actuação social residia no papel de elemento “sombra” do seu marido.

A avaliação histórica que se fazia das mulheres, era a de “auxiliar” , sem autonomia, sendo o retrato histórico da sua presença, apenas e quase sempre confinado à sua representação como o elemento submisso, passivo e subjugada pelo seu marido, o representante da família e o grande patriarca, o titular da liderança comunitária e politica. É suficiente recordar, as fotografias das nossas avós, sentadas ao lado do marido, na pose eterna de núcleo familiar como progenitoras, que as remete para um papel reservado para a história familiar, como elemento invisível  Histórico.

Foi a partir do século XX que o legado iluminista foi substituído pelo conceito de pluralidade de sujeitos integrantes da História, entre os quais, figuravam com destaque as mulheres, entre a classe operária, prisioneiros e outros elementos até então omissos nos relatos históricos. 

A conclusão que se retira desta História de Excluídos, permite verificar o silencio que se inscreve profusamente sobre a história das mulheres, pouco ou nada se havia escrito sobre os seus valores, crenças ideológicas,afectos,infortunios de vida, estratégias de sobrevivencia, património pessoal,entre tantas outras dimensões que constituiam a sua trajectória  lado a lado ou à frente dos seus pares homens.

Raros são os casos em que a historiografia descreve a mulher em lugares de liderança  ou  manifestando uma postura de rebeldia contra as normas vigentes e instituídas, são descritas como agentes sociais confinadas a “guetos” sociológicos secundários e sempre dominadas por leis e normas produzidas à escala da soberania masculina.

A História foi sempre uma ciência “masculina”, as descrições que a História produziu sobre as mulheres, foram elaboradas na sua grande maioria por homens, estas observações e descrições foram realizadas por homens que sempre tiveram acesso e o monopólio dos lugares públicos e de poder  e transportadas às letras por policias, médicos, educadores, psiquiatras, que no seu conjunto dominante conseguiram transfigurar o papel verdadeiro das mulheres como agentes sociais activos e de direito igual ao seu, para um papel de agente social “auxiliar” onde emergem como figuras anónimas, figuras ocasionais, onde eram citadas nos livros e outros documentos, como  simples estafetas, cozinheiras, lavadeiras, costureiras, companheiras de um diplomata ou como “amantes” de um outro companheiro.

Esta forma de hierarquia bem definida está inscrita na Historia da humanidade de forma marcadamente masculina no seu todo, desde a produção das leis que enformaram certos ciclos históricos de perseguição e aniquilação das mulheres, até ao procedimento de execução plena e eficaz dessas leis, cujos executores eram homens mandados por outros homens, numa escala de poder devidamente organizada com vista à perseguição e consequentes actos exterminadores das mulheres, de forma massiva e devidamente planeada. Não será necessário recuar muito no tempo histórico, para entender este fenómeno inquietante, cuja herança ainda paira sobre muitos mitos sociais que se praticam hoje de forma mais subliminar é certo, no entanto, enraizados numa cápsula dinamitante que pode explodir em qualquer momento sem aviso prévio.


Passear a nossa memória, sobre os  episódios  Ibéricos, onde as mulheres foram designadas como “hereges” pela Inquisição, porque eram portadoras de sangue “impuro”, ora porque eram transmissoras do Judaísmo, ora porque eram acusadas e julgadas como “bruxas”, entre tantas outras acusações que sofreram e das quais não conseguiam escapar, cujo  denominador comum se elevava apenas à categoria natural que possuíam  pelo facto de biologicamente serem do género feminino, como variável suficiente para a sua perseguição, julgamento e condenação apenas e sempre pelo facto de serem mulheres. 

Réplicas destes fenómenos históricos, remetem a nossa memória para a história recente do século XX, onde o nazismo, entre outros sistemas políticos satélites paralelos, como por exemplo o Estado fascista que se viveu em Portugal até meados da década de 70, reservaram à mulher um papel de perseguição,estigmatização e anulação por via das medidas politicas que lhes eram aplicadas, confinando a sua representatividade como agente social, ao papel de animais de “estimação” ou “ódio” perante esses sistemas, de acordo com a sua condição de transmissoras e reprodutoras de raças superiores ou inferiores.Estes são apenas dois casos tipicos onde as mulheres deviam ser  exterminadas, julgadas por homens de “saberes” distintos na linha temporal e espacial, nestes casos especificos pela Igreja Católica representada pela figura do Inquisidor, e pela Ciência Moderna, representada pela figura do médico eugenista nazista.

A mulher constitui deste modo o núcleo a sanear, visando o perfeito equilíbrio social desejado pelos mandatários dos sistemas sociais que integram sub sistemas políticos na sua larga maioria constituídos por homens que controlam a legislação, o sector económico, o sector de administração pública, e todos os outros sectores periféricos e instrumentalizados como mecanismos de poder patriarcal.

Numa leitura atenta aos novos elementos e contributos científicos,que povoam a estrutura social actual, podem ser identificados mais uma vez, aspectos que posicionam as mulheres como agentes sociais fragilizados relativamente  a um sistema de categorização e selecção de indivíduos, altamente competitivo e omnipresente em vários programas, associados à genética, que desde os inícios dos anos 80 tem vindo a ser discutida, sob um discurso associado à teoria da evolução humana, exemplo perfeito desta nova sectorização social é o empreendimento Transnacional designado como o Projecto Genoma Humano. 

As descobertas cientificas obtidas a partir desta tipologia de projectos, conduzem  a  práticas sociais que estão disseminadas nas relações sócio-económicas onde as mulheres estão directamente implicadas aos dias de hoje, neste contexto é exemplo destas situações os testes realizados por companhias de seguros nos planos de saúde, centros de imigração, entre outros, para detectar características genéticas, assim como o diagnóstico pré natal de possíveis defeitos no feto permite às mulheres a opção de  aborto, estas questões entre outras são debatidas com base em pressupostos afectos à eugenia, sem que essa referência se encontre explicita, nas medidas praticadas e aplicadas nestes ambitos às mulheres, que as percepcionam como medidas preventivas inseridas no contexto em que lhes são aplicadas.
Como referiu o sindicalista Fourier[2], as mulheres  são "o proletário dos proletários", devido à dificuldade como elemento  "invisível" presente na  invisibilidade da História.

Esta “invisibilidade” que surge a partir de uma relação patriarcal de género, fundamentada historicamente pela divisão do trabalho e funções entre homens e mulheres, sempre em associação com a reprodução da espécie e cujas causas inerentes compreendem em simultâneo a observação de várias confluências indexadas a esta natureza de relação humana onde se configura a relação de género como uma relação social histórica, cujos princípios elementares se podem descrever da seguinte forma;

1-   A carência de um desenvolvimento de matriz produtivo que pudesse oferecer a possibilidade da libertação dos limites da vida na sua forma mais pura como animal humano, numa trajectória que permitiria à mulher obtenção de benefícios oriundos da sua produção material visando em segundo plano a produção cultural.Esta consideração tem por base a lógica que assiste as relações sociais hierárquicas,sejam elas reguladoras  do sector económico, da conduta ou comando politico, ou do domínio do pensamento que integra uma visão individualista e parcial permanente frente à visão do conjunto ou totalidade, é o resultado de um deficitário desenvolvimento intelectual individual e de uma incapacidade para empreender a expansão de actos ideológicos isolados ao resto da sociedade, tendo sido esta a invisibilidade social experimentada pelas mulheres durante as várias sociedades que constituiram a História da humanidade até à presente data.

2-   A omissa extensão da racionalidade instintiva fruto da primazia biológica do sujeito como animal às redes sociais humanas, concedendo-lhe uma formula lógica, onde a mulher não usufruiu dos direitos correspondentes às necessidades da espécie como elemento do colectivo social.A mulher viu negada o seu direito aos instintos territoriais, de viver a vida no pressuposto da sua natural aptidão enquanto ser físico destinado à captação de recursos com vista à sobrevivência, numa escala “materialista”, é sabido que a noção social de propriedade privada, dos meios de produção sociais e da satisfação das necessidades económicas materiais, baseadas num modelo de desenvolvimento  produtivo de alcance social, permite uma divisão do trabalho para além da escala artesanal ou individual, potenciando uma acumulação  de capital, ou dito de outra forma, de meios produtivos.Este modelo possibilitou materialmente a consolidação da exploração do homem sobre a mulher, numa perspectiva em que a mulher era tomada apenas como um capital humano produtivo, de base não remunerada, fomentando por esta via a escravidão e posteriormente em sociedades mais modernas a mão de obra assalariada barata, fenómeno inerente à designada Revolução Industrial, onde as mulheres foram o motor produtivo principal, com base no trabalho precário assalariado, em que o explorador, para além do facto de apropriar do produto obtido, também o desfruta através da materialização do resultado obtido no produto final numa óptica mercantilista, onde a mais valia do trabalho assalariado é da propriedade do explorador, que potenciou deste modo novas relações de exploração produtiva, réplicas destes modelos sociais, estão ainda hoje bem presentes na nossa sociedade, onde as mulheres têm salários muito inferiores aos  dos homens, para além do trabalho realizado em tarefas domésticas em simultâneo que sofre materialmente de uma desvalorização absoluta.

Toda esta escala evolutiva de factos históricos produzidos e ancorados na manipulação e omissão da mulher como agente social paritário em todos os domínios percepcionados, remete-nos para um presente sem dúvida alguma assente na premissa que muito trabalho resta por fazer, para se alcançar o objectivo final que é o reconhecimento do direito natural que assiste às mulheres em razão de participar, gestionar e usufruir dos recursos disponíveis de forma igualitária e proporcional à sua validade lógica como elemento estruturante das forças sociais em  constante movimento.


Este pretende ser um ponto de partida para que essa mesma visibilidade permaneça como um ponto referencial ao seu trabalho árduo, e igualmente fomentar um ano cruzeiro em que tendencialmente se possam irradicar definitivamente todas as debilidades sentidas até ao momento presente, numa perspectiva construtiva e de onde resulte um ponto de equilibrio social que permita a convivencia de todos os elementos segundo a Teoria da Complexidade[3] (Edgar Morín,1991).

É visivel que as anteriores teorías femininistas, não conseguiram oferecer respostas a todas as dúvidas emergentes sobre a constante reformulação da mulher frente ao seu verdadeiro papel complementário a nivel societário, as anteriores tomadas de posição debatiam de forma fragmentada os valores femininos, e a sua “inclusão” social, omitindo todavia a questão fundamental da paridade,visão esta partilhada por autoras como  Val Plumwood[4] e Alisa Del Re[5].

A superação do femininismo da igualdade, assim como das correntes que pretenderam o inverso à dominação masculina, é necessária porque estas não exerceram uma critica fundamentada num sistema baseado na dualidade. O femininismo contemporâneo pode rever não só as caracteristicas do caracter “masculino” da cultura, mas também as “humanas”.

A análise sobre a questão da diferença e da diversidade através da metodologia da complexidade leva, em primeiro lugar, a considerar que todo o sistema, seja de ideias ou de seres, na teoria social, biológica ou fisica, é um e multiple e também um e diverso. A sua diversidade é necessária à sua unidade, sendo a sua unidade necessária à sua diversidade, desde este ponto de vista, um sistema organizacional está marcado pela diferenciação dos seus elementos, onde as partes integrantes do seu todo estabelecem relações de complementaridade baseadas na diversidade existente entre os seus pares, conduzindo esta formula organizacional a uma optimização das forças reguladoras da manutenção desse sistema...


[1] Cfr. Jimmy Carter: Religion is one of the 'basic causes' of violations of women's rights.  Online access on 10.11. http://www.theelders.org/media/video/jimmy-carter-religion-one-basic-causes-violations-womens-rights  .

[2] Cfr. Goldstein, L (1982). "Early Feminist Themes in French Utopian Socialism: The St.-Simonians and Fourier", Journal of the History of Ideas, vol.43, No., p.92.
[3] et.seq. MORIN, Edgar.” Introdução ao Pensamento Complexo”. Lisboa, Instituto Piaget, 1991.
[4] et. seq. PLUMWOOD, Val. “Feminism and the Mastery of Nature: Feminism for Today”. Londres: Routledge, 1993 a.“Feminism and Ecofeminism: Beyond the Dualistic Assumptions of Women, Men and Nature. Feminism and Ecology." Society and Nature, Littleton: Aigis, v. 2, n. 1, 1993b, p. 36-51.
[5] et.seq. (2008) “What do We Intend When We Talk about Quotas?” in AA.VV (eds.) Under-representation of Women in Science and Technology, Padova, Cleup, pp. 59- 65.
 


[1] © Claudia Freire _ Researcher @ claudiaf.univ@gmail.com  (É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTE ARTIGO  APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO QUE A TAL SE COMPROMETE. Claudia Freire, 2010, todos os direitos reservados) 1ª publicação online em Novembro 2010 em http://womeninsciencept.blogspot.com/ .   








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